#11 - Danny Meyer e o império da hospitalidade

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Foto: USHG website

Anthony Bourdain, Peter Mayle, Bill Buford e Michael Pollan escreveram as mais irresistíveis páginas que li sobre o maravilhoso mundo dos comes e bebes. Mas Setting the Table, de Danny Meyer, é sem dúvida o mais importante livro de negócios ligados à gastronomia já escrito. Como revelei dia desses, acompanhava os passos de Danny, do jeito que dava, a partir de uma bem-sucedida visita ao Union Square Cafe, em 1997, quando provei a famosa receita de paixão por hospitalidade da casa. Até que dez anos depois ganhei de presente, em capa dura, a obra na qual o restaurateur descrevia sua trajetória, seus pensamentos, seus projetos. Talvez Setting the Table tenha sido o único livro que li por duas vezes na vida. Na primeira, o fiz com paixão. Na outra, tentei ser aluno aplicado, grifando ideias e anotando dicas.

Na minha leitura inicial, lembro que me encantei e me identifiquei com a ideia central de Danny de ouvir seus mais profundos desejos e essenciais vocações, contrariando facilidades aparentes, caminhos convencionais e encantos monetários de curto prazo, para criar um veículo que lhe desse chance de ser feliz trabalhando. Me fascinava a convicção e a coragem de um jovem de 27 anos que, mesmo sem saber cozinhar, acreditava que com essa ideia atrairia os mais talentosos profissionais de Nova York e que estes seriam capazes de criar em conjunto o mais delicioso e atraente restaurante da cidade.

Setting the Table, num primeiro contato, salta assim como um potente e belo relato de como um empreendedor com boas ideias e muita atitude conseguiu criar a mais valiosa e complexa realização empresarial que qualquer profissional de negócios pode almejar: uma cultura vencedora. Dicionários e livros de história nos ensinam que cultura é aquele refogado que mistura conhecimentos, princípios, regras, costumes, linguagem e pitadas de sal e pimenta-do-reino inerentes a um determinado grupo de pessoas. Sendo assim, cultura qualquer condomínio ou bando pode ter. O problema é fazer com que esse tempero tenha sabor e persistência, que a tal cultura seja perene e crie valor, enfim, que seja vencedora. E é aí que Danny Meyer se separa dos aventureiros puramente sonhadores. Seu livro é rico e generoso ao escancarar passo a passo o processo, às vezes intuitivo, caótico e incontrolável, de construção da cultura que ele criou em torno de suas realizações. Danny produziu junto com seu primeiro time do Union Square Cafe um robusto apanhado de regras, crenças e visões, emoldurado por uma linguagem simples, clara e deliciosa, que deram num caldo poderoso a ponto de penetrar em cada um de seus projetos, dando-lhes personalidade e estimulando sua excelência. Meses atrás, Pete Wells, crítico do New York Times, escreveu sobre o Union Square Cafe: “A revolução aqui continua sendo que os atendentes não querem nos impressionar... Eles só querem que sejamos felizes!”. Se você ainda não leu Setting the Table, abandone estas mal traçadas linhas, compre o tal e invista seu precioso tempo em Danny Meyer.

Foto: USHG website

Se já leu, deve concordar comigo que são geniais e inesquecíveis as metáforas que ele usa para, por exemplo, definir o padrão de regras e acordos que deveriam ser selados e seguidos entre os que estão no barco, a “Regra do saleiro”. Reza ela que os combinados ali devem ser tão claros quanto a definição de onde colocar o saleiro na montagem de uma mesa do restaurante: se foi definido que ele fica no centro, é lá que ele deve ser posto, é inaceitável que ele seja colocado em outra lugar, nem um centímetro fora do eixo, até que o grupo mude de ideia e redefina, de comum acordo, sua posição à mesa. Essa aparentemente inocente imagem de um saleiro colocado no lugar certo é a capa da 2ª edição de Setting the Table pois ela simboliza um dos conceitos centrais no mundo de Danny Meyer: uma cultura vencedora se constrói com relações de confiança, nunca de medo entre seus componentes. Ou sua visão de hospitalidade, que compara a um cisne nadando no lago: a parte visível (para os clientes) acima da água é suave, gentil e harmônica; escondida abaixo, ela é vigorosa, forte e intensa. Ou ainda sua crença nos perfis de profissionais que devem fazer parte de seus times, os “agentes facilitadores”, nunca os “porteiros bloqueadores de ideias”. Danny Meyer se aprofundou nesse tema, também essencial em toda a sua visão, criando a expressão mais famosa de seu método de formação de times: ele está sempre em busca dos “51%s”, pessoas pelo menos um ponto percentual mais fortes e vocacionadas para “soft skills”, as aptidões relacionais e de cuidado com os outros, do que nas habilidades técnicas e mais individualistas. No universo Danny Meyer, não se fala em regras de atendimento ou discursos obrigatórios no contato com os clientes, mas se ensina e se estimula a “ligar os pontos” e “procurar o ‘sim’” para os que os visitam. Foi por isso que Amanda me perguntou “é sua primeira visita?” quando fui conhecer o Union Square Cafe. Ela buscava dicas e informações para conectar e formular um discurso apropriado à minha mesa, estabelecendo uma relação produtiva de atendimento. Quando algo sai errado com a experiência dos clientes numa casa Danny Meyer, os funcionários estão treinados para usar os 3 A’s: apologize (pedir desculpas), acknowledge (explicar por que o problema aconteceu) e act (agir para reverter o incidente). Para dar feedback aos funcionários de seus times, os líderes da empresa são preparados para usar o processo D.H.C.T. – Define / Hear / Commit / Timing (defina o problema, ouça o funcionário, faça um compromisso de melhoria, monitore as mudanças com um prazo definido).

A soma dessas e outras muitas ideias e processos de organização e engajamento de grupos de pessoas em torno de um propósito – ser feliz encantando seus clientes – produziu muito mais do que o restaurante mais querido de Nova York: fez nascer uma inspiradora e poderosa cultura de hospitalidade chamada Union Square Hospitality Group, o império de gastronomia mais premiado, reconhecido e respeitado de Leste a Oeste dos EUA. Por essas e outras, resolvi ler Setting the Table pela segunda vez.

Foto: USHG website
 
 
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