#9 - Prazer em conhecê-lo, Mr. Hospitality!

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[ Beba com este post: uma bela taça de um Cabernet Sauvignon Californiano ]

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— É sua primeira visita?

 — Desculpe, não entendi? — respondi surpreso, gaguejando em inglês.
 — É a primeira vez que vocês vêm ao Union Square Cafe?
 — Ah! Sim, claro, é sim, é a primeira vez!
 — Então sejam bem-vindos! Muito bom vocês estarem aqui!

Através desse diálogo, conheci Danny Meyer. Não, obviamente não foi ele em pessoa quem me lançou essas doces palavras, em 1998, no início da minha primeiríssima experiência no Union Square Cafe, emblemático restaurante nova-iorquino e primeira cria do hoje super-restaurater Danny. A protagonista daquele caloroso approach à minha mesa foi uma garçonete charmosa e risonha de olhos muito negros e redondos, que se vestia como minhas amigas mais seguras e descoladas da faculdade. “Sou Amanda, se precisarem é só me chamar, ok?”, assim a moça concluiu organicamente seu primeiro e encantador contato com minha mesa, do qual me recordo em detalhes até hoje. Pois é, essa abordagem, que talvez soe apenas natural e profissional, me marcou porque era uma verdadeira joia rara na Nova York da década de 1990, quando 99% dos atendimentos, até nos restaurantes mais pretensiosos da cidade, começavam com um abrupto e ameaçador “Still or sparkling, sir?”. Dar “boa noite” parecia ser uma obviedade dispensável para receber clientes na cidade que incorporou na alma a máxima “time is money”. Atendimento se confundia com serviço. E só o estritamente necessário.

Mas notei logo na largada que no Union Square Cafe as coisas pareciam estranha e promissoramente diferentes. Pela primeira vez presenciei um atendente “abrir uma mesa” em Nova York puxando conversa e querendo saber se éramos locais ou forasteiros de primeira viagem. Mais que um pequeno gesto, senti naquele momento que uma singela revolução estava em curso no mundo maravilhoso dos bares e restaurantes. E comecei a conectar os pontos: eu estava ali no Union Square Cafe com, na época, minha namorada Alessandra (hoje minha esposa), sofrendo para pagar uma conta acima do meu padrão, porque tinha uma enorme curiosidade profissional. Eu queria conhecer o restaurante que, ano após ano, liderava a lista de “Restaurante mais querido dos nova-iorquinos” no Guia Zagat (a mais segura referência para nós turistas fazermos boas escolhas gastronômicas em Manhattan à época, ao lado do guia da Katia Zero, estrela da segunda crônica deste Devorando NY!). Era batata, bastava comprar a mais nova edição do Zagat e atestar o Union Square Cafe presente em várias listas de melhor isso, melhor aquilo, e quase sempre na liderança como “o mais querido”. Isso me intrigava, pois o Union Square Cafe não era um restaurante famoso para nós, brasileiros, mesmo para os aficionados pelo ramo. Ele não tinha um chef-celebridade nem um “prato-destino”, não estava nas quadras elegantes de Uptown nem nas vielas artsy do SoHo, não tinha a visibilidade midiática das marcas mais chiques e inatingíveis daqueles tempos, como Le Cirque, Daniel e Le Bernardin, e menos ainda a badalação histriônica de hot spots do momento, como Bice, I Tre Merli e Tribeca Grill. Mas, mesmo assim, era imbatível nos rankings do Zagat. Como em Nova York sempre fui um turista curioso e metido a besta que queria viver um pouco a vida dos locais, esse rótulo de “mais querido dos nova-iorquinos” empunhado pelo Union Square Cafe era irresistível para mim. Eu tinha que desvendar esse lugar.

Foto: Eater.com

Foto: Eater.com

Desse jantar, além do diálogo inicial, me recordo perfeitamente de ter tido que esperar na área do bar por alguns minutos antes que minha mesa estivesse disponível. Ali fiquei analisando quem chegava e me espantei quando vi que muitos abraçavam efusivamente e às vezes até lascavam um beijo no host que os recebia à porta. A grande maioria dos clientes habituais que entravam no Union Square Cafe se lançavam com intimidade para as banquetas do lindo balcão do bar que brilhava logo à entrada, interagiam familiarmente com os bartenders como se aquele fosse o botequim de confiança do bairro, e ali mesmo ficavam para o jantar. Sim, os clientes fiéis e regulares do Union Square Cafe preferiam comer os elaborados pratos da casa no balcão do bar e esnobavam charmosa e categoricamente as mesas convencionais do salão, renegadas aos conservadores ou novatos como eu. Naquela noite, foi também inesquecível o caso de uma senhora que, retornando do toalete para sua mesa, não percebeu os dois degraus que separavam a sala principal do corredor de serviços do restaurante e, assim, foi ao chão dramaticamente em pleno pico do movimento. Nós, clientes, prendemos a respiração preocupados com as consequências do incidente, mas a equipe do restaurante se moveu de maneira tão rápida, discreta e eficiente que eu achei que alguns daqueles profissionais eram bombeiros ou paramédicos disfarçados de garçons… Num balé de minutos, a cliente recebeu cuidados médicos e foi levada ao hospital mais próximo. E nosso jantar retomava seu curso. Um pequeno detalhe: a família da senhora acidentada saiu do Union Square Cafe com uma sacola repleta de embalagens com os pratos que eles haviam pedido à mesa e uma garrafa de vinho, nobre e providencial cortesia da casa para quem iria agora passar a noite de 6ª feira num pronto-socorro.

Antes mesmo de terminar o jantar, a charada para mim estava desvendada: o Union Square Cafe era amado pelos seus clientes porque os amava incondicionalmente, simples assim. E demonstrava isso em todas as interações que sua jovem e energética equipe tinha com os comensais presentes. Não havia truques mirabolantes, pirotecnias nem atitudes performáticas no salão do Union Square Cafe. Mas, sim, havia elegância, empatia, naturalidade e uma profusão de sorrisos e palavras carinhosas. Os profissionais que trabalhavam ali transpiravam uma palpável e contagiante paixão pelo que faziam, e assim permitiam que nós nos sentíssemos amigos daquele ambiente e daquele time, quase como se fizéssemos parte daquilo tudo. Concluí que o Union Square Cafe conseguia de maneira inédita romper a barreira do protocolar e repetitivo relacionamento cliente-restaurante através do talento humano, transformando num passe de mágica consumidores em protagonistas e genuínos integrantes daquela experiência. No Union Square Cafe, todos estavam do mesmo lado do balcão. E isso acontecia de maneira muito natural, tudo parecia muito simples. Mas eu sabia, não era…

Naquela época, eu e meus sócios já tínhamos dois bares – Original e Pirajá – e uma pizzaria Bráz em São Paulo. E tínhamos uma crença fundamental que provocara nossa paixão por este mercado: bares e restaurantes podem durar para sempre se conseguirem estabelecer um relacionamento afetivo verdadeiro com seus clientes. Por isso, trabalhávamos de sol a sol tentando desvendar, por tentativa e erro, os segredos do bom atendimento, tentando criar uma fórmula perfeita, capaz de produzir relações significativas e duradouras. Mas, diferentemente de coxinhas, filé à milanesa e pizza Marguerita, percebemos imediatamente que para desenvolver uma relação ideal com nossos clientes não existia uma receita certa. Precisávamos criar a nossa própria.

No dia em que conheci o Union Square Cafe, desconfiei: alguém aqui acertou uma fórmula irresistível de atendimento, os caras têm conexão com o bruxo da poção mágica! Não tive dúvidas e interpelei Amanda:

— Queria te agradecer pelo excepcional jantar e pelo seu incrível atendimento. E também te perguntar: quem treinou vocês tão bem? Qual é o segredo do Union Square Cafe?

— Ah, muito obrigada, fico tão feliz que curtiram! Espero que voltem muitas vezes. Mas segredo, não temos nenhum segredo, temos é muita sorte! Trabalhamos com Danny Meyer, ele é o melhor!

Obrigado, Amanda. Muito prazer, Danny!

 
 
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